quarta-feira, 20 de maio de 2009

Ok.

Após 15 minutos o filme deixa de ser um policial alucinado de Samuel Fuller para ser como que tomado por um lirismo livre de inquietações e perturbações, alcançado apenas raramente nas obras precedentes (alguns momentos isolados e esparsos de O Barão de Arizona, Tormenta Sob os Mares, Casa de Bambu, isso quer dizer em meio ao romanesco enlevado do primeiro, a aceitação do sofrimento no segundo e a violência constante do terceiro). Há aqui uma delicadeza de toque, uma poesia insuflada que nunca havia visto antes, ou pelo menos com tal intensidade, no cinema de Fuller - se em algum lugar, talvez em Mizoguchi ou em Losey (uma boa idéia do que é o filme pode ser dada ao se imaginar um cruzamento entre Chikamatsu monogatari e Blind Date). Há um romantismo insólito, raro, e mesmo um desespero romântico que de alguma maneira encontra-se perfeitamente em casa num "filme de Samuel Fuller".

É também a perfeição absoluta da câmera persecutória, talvez o seu ponto de culminação (nem mesmo Não Toque no Machado e Sob o Signo de Capricórnio superam-no nesse quesito), o que por fim implica dizer que se trata de uma das decupagens mais sofisticadas da história do cinema; uma elegância, uma arte perfeitamente consumada, arriscaria mesmo dizer equilibrada e proporcional se a lembrança do nome Samuel Fuller não estivesse à espreita - e mesmo assim sou obrigado não apenas a arriscar como afirmar categoricamente que se trata exatamente disso.

Resumindo: um dos três, talvez dois melhores filmes que vi neste ano.

6 comentários:

Christophe disse...

great great movie, I'd be glad to understand what you say about it even some words make me believe it is a good review

Anônimo disse...

Para mí, con Run of the Arrow, el mejor film de Fuller. Menospreciado porque no se conforma a la imagen de
Fuller y su cine que circula. Es sutil, elegante, equilibrada y sobriamente lírica, medidamente violenta (con rapidez, sin complacencia, sin efectismo), civilizada, como Lang y Walsh, no tosca ni primitiva, ni brutal ni esquemática, ni panfletaria ni simplista, ni sensacionalista ni irreflexiva. Y tan naturalmente ajena al racismo que molesta a los antirracistas profesionales.
Miguel Marías

José Oliveira disse...

absolutamente,absolutamente,absolutamente!

dói um bocado, mas é tudo isso.

bruno andrade disse...

De certa forma, Miguel, é como se Casa de Bambu pulasse o precipício do que faz dele um filme de Fuller e fosse parar no quintal, justamente, de Walsh, Preminger ou Lang. Estranho que mesmo exegetas como Lourcelles e Moullet falem muito pouco do filme. Acho que o filme ainda não havia sido lançado na França quando Moullet escreveu Sur les brisées de Marlowe; quanto ao Lourcelles, compreensível de certa forma, visto que o filme está às antípodas de sua teoria geral do cinema de Fuller representando o revés do classicismo americano, refração e complemento; as técnicas do filme são as mais elípticas, as mais próprias de um cinema moderno e seu resultado o mais próximo possível de um classicismo, um repouso Fulleriano.

bruno andrade disse...

Christophe, I'll try a translation here:

Ok.

After 15 minutes the film ceases to be a hallucinated crime thriller by Samuel Fuller to be like taken by a lyricism free from anxiety and disorder, achieved only rarely in previous works (some isolated and scattered moments of The Baron of Arizona, Hell and High Water, House of Bamboo, that means in the midst of the incessant romanesque of the first, the acceptance of suffering in the second and the unceasing violence of the third). There is a delicacy of touch, a insufflated poetry that I had never seen before, or at least with such intensity, in a Fuller film - if anywhere, perhaps somewhere in Mizoguchi or in Losey (a good idea of what this film is might be given by imagining a cross between Chikamatsu monogatari and Blind Date). There's an unusual romanticism, rare, and even a romantic despair that somehow finds itself right at home in a "Samuel Fuller film".

It's also the absolute perfection of the persecutory camera, maybe even its point of culmination (not even Ne touchez pas la hache and Under Capricorn surpass it in this aspect), which ultimately means saying that this is one of the most sophisticated décupages in the history of cinema; an elegant, perfectly consummate art, I would even go so far as to say balanced and proportional if the recollection of the name Samuel Fuller was not there around the block - and even so I have no alternative but to say categorically that it is exactly that.

In short, one of the three, maybe two best films I've seen this year.

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(coming to think of it, I should have mentioned Preminger's Whirlpool above with Ne touchez pas la hache and Under Capricorn)

Christophe disse...

thank u !

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