quinta-feira, 20 de maio de 2010

Se houvesse alguma beleza e alguma utilidade na ingrata função da crítica, seria a condição de despertar em outro, por uma forma de comunicação poética, o sentimento que uma obra suscitou em nós. Se necessário, falar-se-ia igualmente bem de outra coisa, de um nascer do sol sobre o Vésuvio ou da pelugem de um gato, para descrever um romance de Stendhal ou os quartetos de Beethoven. Eu veria, no fim das contas, algo como um poema deveras mallarmeano, onde as sonoridades sutis e a concomitância das palavras evocariam, acumulando em suas linguagens paralelas, a impressão global que sentimos diante de tal ou tal movimento da arte.

Chega de sonhar. Certos exercícios críticos por mim praticados uma vez trouxeram-me a convicção de que deveria se dizer tudo de um artista em quatro páginas, no pior dos casos. Uma só página é melhor. E ainda, talvez fosse mais conveniente nada dizer.

O saber não possui sentido fora de sua utilidade, imediata ou posterior: um saber inútil não é apenas inútil, mas também prejudicial, pois o esforço de adquiri-lo toma o lugar de um ato ou de um prazer. Creio que seja melhor libertinar ou observar a grama crescer no jardim de Luxemburgo que aprender coisas as quais não servirão a nada.

Entendo bem que exista um prazer do saber, e que o homem honesto descubra uma espécie de deleite complementar na análise de suas sensações ou na verificação de suas idéias. Mas isso se trata, portanto, de uma atividade diferente e quase sem relação com o meu desejo, que é de fazer descobrir. Falo aqui em termos de ação, de crítica dinâmica.

Além disso, embora eu reconheça o interesse relativo da crítica de consumação, não posso deixar de dizer que fico um pouco assustado pela abundância desta literatura, que hoje tende a substituir a outra, a verdadeira, e proliferar como uma vegetação parasita sobre uma criação cada vez mais anêmica. Quando uma obra necessita de um comentador para ser recebida, é claro que lhe falta precisamente o essencial: a encarnação da sua proposta na sua matéria.

É a obra em si, e não a sua explicação posterior, que deve criar o choque decisivo, determinar o sim ou o não. A análise se limita a confirmar o consumidor na sua aceitação ou rejeição, e se ela o abala, é em detrimento de sua sinceridade. Quanto a ensinar realmente, isso só pode se produzir em alguns casos raríssimos de jovens sensibilidades ainda informes mas bem nascidas. Isso, dirão, justifica a análise: eis porque a cometemos de tempos em tempos.

Bem. Ainda assim é necessário que ela seja breve, e mais síntese do que análise, para tentar recriar as condições afetivas do choque. Saber quantas vezes Balzac empregou o adjetivo "branco" na Comédie Humaine, e contribuir para se fazer a eletrônica e os cartões perfurados, parece retomar o sabor medieval das pseudo-ciências, outrora denunciado por Rabelais ou Molière. Desejam imitar os físicos na sua exploração infinitesimal da matéria, sem ver que os resultados destes implicam efeitos e usos, enquanto nenhuma dissecação literária poderia resultar em uma das duas únicas justificativas do empreendimento: um aumento na admiração por Balzac ou a posse das receitas de seu gênio. Da mesma forma, a explicação de um trabalho pelos temas e os temas de seus temas: fumaça, nada, tempo perdido. Ao invés de desvelar afoitamente as obras de outros, faça obras você mesmo, ou caçarolas de papel. Mas aqui tocamos a verdadeira razão da proliferação crítica: a impotência criativa da nossa época. Não se pode ao mesmo tempo falar e agir. Uma escolha se impõe. Escolhemos falar.

Falar por falar, escolhi contar uma história. E é uma bela história a vida de Cecil B. DeMille. Acredito sinceramente que ela é muito mais interessante que os julgamentos que eu poderia exercer sobre o seu trabalho. Além de quê é divertido contar uma história, mostrar que a vida de um homem tem começo, meio, fim, peripécias, tangências, raízes, um certo significado; muito mais divertido e verdadeiro que se esforçar em não contar uma história, como fazem os romancistas de hoje. Para isso, pontilhei abundantemente a autobiografia do cineasta, contentando-me na maioria das vezes em fixar-me aos eventos para melhor ilustrar suas relações.

Como era necessário, ainda assim, dizer algumas coisas sobre os seus filmes, pedi a Michel Marmin, autor de um excelente estudo sobre Raoul Walsh, para escrever uma introdução a esta arte simples e clara. Eu creio, e é um grande elogio, diga-se de passagem, que ele conseguiu não complicar nem obscurecer um trabalho que, de The Squaw Man a Os Dez Mandamentos, possui a força suficiente da evidência.

Finalmente, uma parte importante desta obra, composta de diversos documentos, textos de DeMille, testemunhos de seus colaboradores, notas de tomadas, matérias da imprensa, completará por tornar objetiva a imagem de DeMille que talvez será formada aos olhos do leitor, uma vez a leitura terminada. Quanto às idéias, é seguramente mais fecundo e saudável que cada um as encontre em si mesmos, enquanto vêem os filmes deste grande cineasta desconhecido.

Michel Mourlet, Note Liminaire, Cecil B. DeMille, Éditions Seghers, 1968, pp. 5-7.

Tradução: Bruno Andrade, Felipe Medeiros, Matheus Cartaxo Domingues.

Revisão: Sérgio Alpendre.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog