Por sinal, é quando vejo Un Amleto di meno que vejo alguém triunfando exatamente onde o Tarantino falha nesses filmes Kill Bill dele: ao mesmo tempo o espetáculo e a explosão do espetáculo, onde todas as cores (ou seja: todas as matizes, todas as nuances, todos os contrastes, toda sutileza) são separadas violentamente para se dispersarem e se reencontrarem com ainda mais violência em outros pontos, rebentando nas superfícies saturadas, nos fragmentos magníficos, na fanfarronice da irracionalidade que a todo instante nega qualquer sentido à representação e produz assim uma acumulação torrencial e estridente de anti-signos, totalmente opacos e refratários a qualquer exegese (cf. o plano final). É Shakespeare trazido ainda mais uma vez ao proscênio, mas desta vez para uma traição completa (não à toa Bene foi pegar logo Hamlet) de todos os pressupostos que o acompanham, o legitimam e o conservam como patrimônio histórico no imenso e indiferente caldeirão de formol da cultura, tudo o que finalmente reduziu Shakespeare e Hamlet a peças de museu (não tem ninguém aqui usando um excedente de referências para se amparar no reconhecimento de inteligências cúmplices, ninguém se escondendo na complacência do espectador culturalmente advertido como nos filmes de vocês sabem quem e em tantos outros filmes feitos hoje por vocês também sabem quem). A agitação dos corpos à beira da convulsão e da afilaxia não é gratuita: é a traição que injeta vigor na tradição, é a pressão do sangue que corre mais uma vez nas veias de personagens tão embotados (o clássico definitivamente não é a asseptização da tradição, Bene deixa bem claro) como Hamlet, Gertrude, Horatio, Ophelia etc. Para não falar, também, que o Bene realmente faz montagem eisensteiniana, não fica só de panca com um avid e uma estrutura primária de montagem de atrações como, por exemplo, o realizador de Cassino costuma ficar. E também que é o anti-Gomes, o anti-Martin, o anti-Serra, anti toda essa porra de cinema internacional contemporâneo acadêmico anestésico patrimonialista do caralho. Em suma, a raridade: um filme verdadeiramente moderno.
sábado, 28 de fevereiro de 2015
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