Louis Skorecki dans Libération a récemment usé d’une image séduisante pour définir l’art du cinéaste : la rencontre de Mizoguchi et du Western Spaghetti. Ce qui rend assez bien compte de cette inimitable partition ambidextre faite d’intrigues de cour et de scènes de combat dilatées, de bavardages politiques et de purs instants d’action filmés comme autant de petites mythologies des capacités du corps humain. Jean-Sébastien Chauvin
terça-feira, 20 de novembro de 2007
sábado, 17 de novembro de 2007
A América como paixão
Héctor Soto
Revista Mundo Diners
maio de 1986
Não resta a menor dúvida de que a obra de Michael Cimino parece condenada a comparecer ante toda a sorte de inquisidores. Primeiramente com O Franco Atirador, a mais desgarrrada e alucinante incursão do cinema norte-americano na inquietante tragédia do Vietnã, ante setores da crítica que com notável percepção imputaram ao filme acusações de racismo e de desonestidade política. Logo depois, com O Portal do Paraíso, reflexão iluminada sobre o nascimento dos Estados Unidos a partir de sua expansão para o Oeste, Cimino foi conduzido por produtores inseguros e insensíveis e por outros setores da crítica desta vez influenciados não pela ideologia, como no caso anterior, mas pela superficialidade. A versão original do filme foi retirada das salas e mutilada brutalmente para atenuar sua densidade e reduzir sua extensão. Agora, com O Ano do Dragão, o realizador deve enfrentar novos mal-entendidos pois outra vez as acusações de racismo são reatualizadas e outra vez se apresenta o risco de que um filme soberbo e de inspiração caudalosa acabe sendo prejudicado por preconceitos e obstinações.
O tema de Michael Cimino é a América. América como utopia, como realidade histórica, como trauma e como paixão individual. América como orgulho e dor. Como sonho e choque. De algum modo, suas realizações estão atravessadas pelos pólos desta consciência em luta, aquela que não se acalma com explicações consoladoras, e de alguma forma seus filmes também obedecem o propósito de compôr hoje o friso monumental da história norte-americana desde seus princípios até hoje, compreendendo esta história como um contínuo desborde de sucessivas fronteiras políticas, culturais, éticas, emocionais e psicológicas.
O relato desta evolução da América no caso de Cimino não tem relação alguma com o projeto que poderia incentivar uma alma enciclopedista a empacotar a história oficial e didática no celulóide. Cimino não é um professor da história e seu desafio não tem qualquer coisa de pedagógico. Fundamentalmente é um desafio catártico, que parte por reconhecer que, apesar de todas as adulterações, em nenhum outro lugar melhor que o cinema americano se imprimiu as trilhas testemunhais de sua trajetória. Por isso mesmo, Cimino não se vê obrigado a recolhê-las ou recompô-las. As trilhas estão lá e ele trabalha sobre essa base. Aquilo que não está e com o qual se contribui, entretanto, equivale de certa forma a uma reinterpretação desses dados, partindo da perspectiva de uma consciência que, principalmente nos últimos anos, sobretudo após o Vietnã, acusa as evidências de dissociações e feridas muito profundas.
O cinema de Cimino não pode ser compreendido à margem do Vietnã. O Vietnã, como escreveu Marc Chevrie em Cahiers du Cinéma, é para Cimino um eixo não menos fundamental do que foi a Guerra da Secessão para John Ford. Possivelmente neste prisma da América de Reagan, empenhada como está em se esquecer de seu fracasso com antídotos como Rambo, este cinema está um tanto desacreditado e coincide com o tipo de bajulações e espetáculos patrioteiros complacentes que o mercado exige atualmente.
Há uma linha direta de desenvolvimento entre O Franco Atirador e O Ano do Dragão. O que naquele filme era uma viagem às trevas do exterior, visualizada nos pântanos do sudeste asiático, é aqui uma viagem no interior da América, no interior de bairro novaiorquino, Chinatown, cujos horrores não são menores em envergadura e ferocidade. Não é uma casualidade que o protagonista do novo longa-metragem seja um veterano do Vietnã, pertença à primeira geração de uma família de imigrantes poloneses e perceba sua luta contra as máfias de Chinatown como um prolongamento da aventura bélica que o conduziu ao Vietnã. Não é tampouco mera coincidência que seu empenho o leve a enfrentar uma comunidade étnica como a China, cuja contribuição à história americana jamais foi objeto de um reconhecimento equilibrado e honesto. Não é irrelevante que a história, contaminada pela paranóia de seu protagonista, acuse o delírio e a tensão dissolvente de um personagem que antes mesmo de aparecer no filme já está brutalmente dilacerado.
O Ano do Dragão é um filme complexo que se define não pela veemência de suas respostas mas pela compulsão inclemente de suas perguntas. Suas imagens acusam uma fratura radical que nenhum adesivo, nenhuma mistificação política, nenhuma estratégia de amnésia programada poderia reparar, entre outras razões, porque para os Estados Unidos a idade da fé ficou para trás e com os anos 60 o sonho americano rachou-se.
Poucos trabalhos cinematográficos iluminam melhor que o de Cimino as raízes da América como nação produto do voluntarismo. "Em sua origem e durante todo o período de sua formação - escreve Octavio Paz - os Estados Unidos eram uma escolha, não uma fatalidade. São os filhos de um projeto de sociedade mais do que de uma sociedade e, nesse sentido, se situa antes da história". O cinema de Ford, o velho western, também se situava ali. Sua base era o utopia e o mito. O cinema de Cimino, entretanto, é esse da América dentro da história, aquela que o país ingressou com grandeza, mas também com dor.