15/09/1999 à 00h43
SKORECKI Louis
Dans un ciné-monde où le décoratif tient le plus souvent lieu de sujet, que faire de ces cinéastes ultra-maniéristes, John Carpenter aujourd'hui, Paul Verhoeven mercredi prochain, qui vont encore plus loin en faisant du décor une obsession, un thème, presque une mythologie? Dans New York 1997 comme dans la plupart de ses navets séduisants, Carpenter revient sur le passé du cinéma hollywoodien à la manière de quelques-uns de ses grands aînés pasticheurs, Sergio Leone ou Clint Eastwood pour prendre les plus visibles. Revisiter les grandes peurs de l'Amérique (the Thing), comme ses plus belles légendes (Elvis, the Movie), cela fait toujours son effet à condition de ne pas en abuser, précisément, des effets, ces poses ripolinées dont Carpenter ne se prive pas. Si New York 1997 se regarde pourtant avec plaisir, c'est qu'il prend ouvertement son pied à singer Jack Arnold ou Roger Corman, en faisant comme si la série B existait toujours. Ce sens du remake ringard, de l'emphase revendiquée, passent ici par quelques-unes des plus belles gueules de la culture déviante contemporaine (Harry Dean Stanton, Donald Pleasence, Isaac Hayes), emmenées par l'acteur caméléon/fétiche de John Carpenter, Kurt Russell, impeccable en outlaw borgne, viré héros aldrichien. Futurisme glauque, polar-péplum, suspense archaïque, tout respire le mélange des genres, pour le meilleur et pour le pire. La recette de Carpenter s'écoute plus encore dans les musiques qu'il bricole qu'elle ne se voit dans sa mise en scène. Rock minimal, vaguement répétitif, vaguement électronique, à l'image d'un art du maquillage volontairement pauvre, comme une version disco des westerns de Howard Hawks, un sampling optique de quelques thrillers speedés de Don Siegel, une approximation baveuse des plus beaux Huston. Dans le meilleur cas (Invasion Los Angeles), il peut même rendre crédible, l'espace de quelques séquences joliment paranoïaques, filmées à la six-quatre-deux avec trois fois rien, l'hypothèse siegelienne d'une vampirisation de la population par des body snatchers à la solde de la pire société de surveillance et de consommation.
sábado, 22 de agosto de 2015
New York 1997. Ciné Cinémas I, 20h30.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Apenas dois filmes realmente baudrillardianos (na forma de "uma enxurrada de metáforas negativas") na história do cinema. Um deles é Sans soleil. O outro certamente não é Demonlover ou qualquer coisa feita por um pereba rasteiro como o Assayas.
domingo, 12 de dezembro de 2010
quinta-feira, 22 de julho de 2010
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Cinemateca Portuguesa - Outubro
JOHN CARPENTER – MEMÓRIAS DE UM HOMEM BEM VISÍVEL
John Carpenter, nascido em 1948 em Carthage, no estado de Nova Iorque, é o autor de uma das obras mais ricas de entre o cinema americano das últimas três ou quatro décadas. Uma obra fortemente associada a um ou dois géneros específicos (o terror e a ficção científica), que Carpenter cultivou como mais ninguém, no que será porventura o mais evidente reflexo (essa “consciência do género”) da sua filiação clássica. Mas, ao terror e à ficção científica, géneros para que Carpenter contribuiu com alguns dos mais notáveis títulos modernos, há que acrescentar um terceiro: o “western”. Se Carpenter manipula habilmente os códigos do terror e da “fc”, um dos seus traços distintivos é a frequente utilização, quase subterrânea, de uma estrutura de “western”, e o trabalho sobre figuras (como Snake Plissken, o protagonista de ESCAPE FROM NEW YORK e ESCAPE FROM L.A.) de que se diria serem variações dos modelos de heróis clássicos da “fronteira” do Oeste.
Se Carpenter é, à evidência, um dos poucos grandes cineastas do medo que existiram depois de Hitchcock, convém não esquecer que toda essa riqueza “subterrânea” com que trabalha modelos e mitologias da América e do cinema americano faz dele, igualmente, um grande cineasta da América. “Todo o cinema que faço é profundamente político”, disse ele uma vez – e como negá-lo quando nos lembramos de THEY LIVE (1988), um dos mais extraordinários filmes políticos da história do cinema americano?
Vamos ver toda esta obra, em sequência, ao longo das próximas semanas, acompanhando as curvas e contracurvas da complicadíssima trajectória de um dos últimos verdadeiros “mavericks” de Hollywood. Em Outubro, para começar, recapitularemos o período inicial de Carpenter, quando ainda tudo era um mar de rosas, e os sucessos comerciais e críticos se iam sucedendo uns aos outros. O filme mais tardio deste mês é ESCAPE FROM NEW YORK. THE THING, o seguinte, o primeiro filme que fez para um grande estúdio americano, que veremos em Novembro foi o momento em que o “conto de fadas” que até então fora a carreira de Carpenter começou a ruir. “Em França, sou um autor; na Alemanha, sou um cineasta; em Inglaterra, um realizador de género; e nos Estados Unidos sou um vadio” – disse uma vez, exprimindo a amargura (de resto, análoga à de alguns outros cineastas americanos do passado e do presente) da falta de reconhecimento no seu próprio país. Durante as próximas semanas, teremos ocasião de reflectir e discutir sobre todas estas questões.
Será publicado um catálogo.
HALLOWEEN O Regresso do Mal
de John Carpenter
com Jamie Lee Curtis, Donald Pleasence, Nancy Loomis
Estados Unidos, 1978 - 91 min / legendado electronicamente em português
Abrimos a retrospectiva John Carpenter com um dos mais lendários títulos da sua filmografia. HALLOWEEN não foi apenas um gigantesco sucesso crítico e comercial, foi também uma obra que directamente influenciou quase todo o “cinema de terror” que se fez depois – e explícita ou implicitamente citada em incontáveis “horror movies” das últimas décadas. Carpenter, que confessadamente colhera em RIO BRAVO (de Hawks) a inspiração fundamental para o seu anterior filme, ASSAULT ON PRECINCT 13, partiu aqui da memória do PSYCHO de Hitchcock. E de facto, HALLOWEEN é um dos raros grandes “filmes do medo” que se fizeram depois de Hitch. Perguntaram a Carpenter se era um filme de terror “teórico”; e Carpenter respondeu: “sim, completamente”.
Sex. [24] 21:30 Sala Dr. Félix Ribeiro
Ter. [28] 22:00 Sala Luís de Pina
DARK STAR
de John Carpenter
com Brian Narelle, Dre Pahlich, Cal Kuniholm
Estados Unidos, 1974 - 83 min / legendado electronicamente em português
A primeira longa-metragem de John Carpenter, começada de modo totalmente amadorístico (como um projecto para a escola de cinema que o realizador frequentou) e depois terminada um pouco mais “a sério”, de modo a permitir a sua estreia comercial. Uma muito divertida paródia ao filme de ficção científica, e em particular às tendências “metafísicas” que o género, por via dos (então) recentes 2001 de Kubrick e THX 1138 de George Lucas, tinha passado a incorporar. Mas, até pela maneira como o filme se relaciona com esteréotipos de género, o primeiro sinal da dimensão “analítica” e reflexiva que sempre acompanhou o cinema de John Carpenter.
Seg. [27] 19:00 Sala Dr. Félix Ribeiro
Qua. [29] 19:30 Sala Luís de Pina
ASSAULT ON PRECINCT 13 Assalto à 13ª Esquadra
de John Carpenter
com Austin Stoker, Darwin Joston, Laurie Zimmer, Martin West
Estados Unidos, 1976 - 90 min / legendado electronicamente em português Uma das variações sobre o tema de RIO BRAVO, “filme-fetiche” de John Carpenter. Um carro de polícia, transportando vários presos para uma esquadra que vai ser desafectada, e está, por isso, praticamente incomunicável. É essa a 13ª Esquadra, que, em seguida, é atacada por um bando de marginais que procura vingar-se da morte de um dos seus. O sucesso crítico e comercial significou a “revelação” de John Carpenter.
Ter. [28] 19:00 Sala Dr. Félix Ribeiro
Sex. [31] 22:00 Sala Luís de Pina
ELVIS Elvis
de John Carpenter
com Kurt Russell, Shelley Winters, Bing Russell
Estados Unidos, 1979 - 119 min / legendado electronicamente em português
Feito originalmente para a televisão, e depois estreado em sala, ELVIS é um “divertimento” sobre um dos ídolos de juventude de John Carpenter. Um “biopic” do “Rei do Rock”, pleno de verve e de “panache”, que, se foge ao registo habitual do cinema de Carpenter, permitiu o encontro com uma figura essencial no seu cinema posterior: Kurt Russell, o futuro Snake Plissken.
Qua. [29] 21:30 Sala Dr. Félix Ribeiro
Sex. [31] 19:30 Sala Luís de Pina
THE FOG O Nevoeiro
de John Carpenter com Jamie Lee Curtis, Adrienne Barbeau, Janet Leigh, Charles Cyphers
Estados Unidos, 1980 - 89 min / legendado electronicamente em português
Adaptação de uma história de Stephen King, sobre uma pequena cidade costeira assombrada por um nevoeiro maligno onde se escondem, nem mais nem menos, os fantasmas dos tripulantes de um navio pirata naufragado séculos antes por acção directa dos habitantes locais. Aos elementos clássicos de Carpenter (os lugares isolados, as lógicas de grupo, as ameaças sem rosto) juntava-se aqui uma espécie de lirismo, com força suficiente para “descentrar” o filme, que no futuro seria, mais do que uma vez, um dos principais “segredos” de John Carpenter.
Ter. [28] 19:30 Sala Luís de Pina
Qui. [30] 19:00 Sala Dr. Félix Ribeiro
ESCAPE FROM NEW YORK Nova Iorque 1997
de John Carpenter
com Kurt Russell, Lee Van Cleef, Ernest Borgnine
Estados Unidos, 1981 - 95 min / legendado em português
Na visão apocalíptica do argumento, Manhattan é uma gigantesca prisão onde cai o avião presidencial, sendo o presidente usado como refém pelos prisioneiros. Um homem que nada tem a perder é enviado para tentar o impossível. Uma das mais ambiciosas produções de John Carpenter, que nos anos 90 teria uma (fabulosa) sequela em ESCAPE FROM L.A.
Sex. [31] 19:00 Sala Dr. Félix Ribeiro 2ª exibição em Novembro
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
quinta-feira, 27 de março de 2008
ESCAPE FROM L.A.
(Fuga de Los Angeles)
A maior parte da crítica passou como cão por vinha vindimada pelo último Carpenter, genericamente considerado remake pouco inspirado e pouco imaginativo do filme de 1981 Escape from New York. Quase toda a gente pareceu pensar que uma das réplicas finais do Presidente (fabuloso Cliff Robertson) a Snake Plissken (Kurt Russell) "Estás-te a tornar insuportavelmente repetitivo", se aplicava melhor ao próprio Carpenter. Já se tinha repetido nos dois filmes de 1995 (In the Mouth of Madness e Village of the Damned), repetia-se agora com esta obra de 1996 decalcada a papel químico do êxito de 1981.
Pois é. Como escreveu Robert C. Cunbow em 1990: "The auteur theory is out of fashion today". E o que era elogio há trinta anos ("os grandes autores fazem sempre o mesmo filme") tornou-se em enxovalho. Nada pior do que ser predictable. Nada pior do que demonstrar um "estilo consistente e reconhecível", uma "visão temática". Nada pior do que fazer filmes que sejam parte de uma obra e em que o conhecimento da totalidade desta ajude à compreensão. Quem tiver melhor memória recordará que já de Escape from New York se disse que era reminiscência de Assault on Precint 13, o filme de 1976 que deu fama mundial a Carpenter. Só que, mais do que nunca, a memória é coisa de estúpidos, como sempre disseram, em nome da inteligência, os que não têm nem uma coisa nem outra. É que a repetição só é fastidiosa quando a primeira vez já o era. Uma vida humana é curta para mais do que duas ou três boas idéias fixas. Tudo o que há a fazer é variá-la, nas infindas possibilidades possíveis. A história do bacalhau? Precisamente. Mas se faltar o ingrediente básico, não há Gomes nem Sá nem Brás que nos valham ou valham ao prato servido.
Hitchcock e Hawks repetiram-se sempre? Repetiram. Mas, sendo sempre o mesmo, de cada vez era tudo novo. Por isso, tanto se pode dizer que fizeram sempre o mesmo filme como que fizeram sempre coisas que nunca tinham feito antes. Como, de resto, mais modestamente, disse Carpenter dele próprio, em entrevista de 1987: "I try to do things that I haven't done before."
Volto ao ponto de partida (volto sempre) e ao tal diálogo com o presidente. A partir daí, o que era predictable deixou de o ser. Em vez de se contentar com o gag sonoro das trocas de bandas, como fazia em Escape from New York, quando descobriu que tinha sido levado com a história da coisa que lhe tinham metido no corpo, Snake ("call me Plissken") socorreu-se da caixinha preta sofisticada para estoirar com um mundo. Não o comove nada o patético aviso do Presidente de que, se o fizesse, rebentaria com todo o progesso técnico acumulado ao longo dos últimos cinquenta anos. A acção do filme passa-se em 2013. Fizeram as contas? Com o que ele estoira é com a chamada "revolução informática", computadorias e derivados, cujos inícios são mais ou menos datáveis em 1963. Depois, puxa de um maço de Virginian's ("the smell of America"), mete vagarosamente um cigarro na boca, acende-o com um fósforo (no princípio, tinham-lhe dado uma caixa deles, dizendo que "podem sempre servir para alguma coisa") e puxa uma bem saboreada passa. "Back to humanity" é a última frase que diz, antes de ficarmos no escuro com o genérico e a música do último grande compositor de filmes, John Carpenter chamado. Desde Bogie que não via uma tão arrogante expressão do "politicamente incorrecto", com a vantagem de ser muito mais incorrecto (e muito mais subversor) do que nos tempos de Bogie.
Se comecei por este ponto (um diálogo, e um diálogo perto do fim) foi apenas para tentar ser mais didáctico. Porque penso exactamente o que Carpenter pensa quando declarou, ao tempo da estreia de Escape from New York: "Os filmes não devem ser uma série de grandes planos sobre rostos de personagens a falar. Não acho que o diálogo tenha muita importância. Penso que o cinema é um meio de comunicação visual e que a câmera deve, pois, cobrir visualmente tudo o que se passa. O diálogo existe para sustentar o que se vê, mas é o que se vê que conta."
Se se soubesse ver, e não só olhar, ninguém falava de repetição, no sentido pejorativo que lhe deram. Porque o facto da acção mudar de Nova Iorque para Los Angeles muda tudo, uma vez que ambos os filmes se articulam em torno de um décor e não há décors mais diferentes do que Nova Iorque e Los Angeles, a cidade vertical e a cidade horizontal, a cidade em altura e a cidade em largura.
De certo modo, como Escape from New York era um filme sobre a arquitectura, Escape from L.A. é um filme sobre o cinema. Em Nova Iorque, Snake Plissken entrava pelos ares a arranhar os céus. Aqui, chega a Los Angeles de submarino, graças a efeitos especiais, e é o mundo de efeitos especiais que toda a acção percorre. As ruínas são as ruínas desses efeitos e das imagens míticas do mito do cinema: os estúdios da Universal, a colina de Hollywood, os espaços da maquilhagem (espaços de zombies), a Disneylândia transformada em arena de combates mortais. Nem falta, num private joke, a montanha da Paramount, produtora do filme. Sucedem-se as citações dos filmes-catástrofe dos anos 50, esses que levaram Carpenter a decidir da sua vocação: The Blob, It! The Terror from Beyond Space, Night of the Living Dead, The Quatermass Experiment, The Day the Earth Stood Still, etc, etc, etc. É sobre a destruição desse imaginário - imaginário dos anos 50 - que é constituído e reconstituído o imaginário de Escape from L.A., como se a prisão em que aquele espaço se tornou fosse a prisão do cinema e a prisão do imaginário específico dele. Ao isolar Los Angeles do resto da América, o sinistro presidente fundamentalista quis cortar da América a evasão e transgressão que, ao menos subliminarmente, Hollywood sempre para ela foi, quis retirar o cinema da América. O seu gesto deu expressão a todos quantos sempre viram em L.A./Hollywood a Sodoma gigantesca, origem de todos os males. A Hollywood Babylon dos livros de Kenneth Anger nunca encontrou melhor metáfora, como essa que dela fez cidade de todos os criminosos, todos os marginais e todos os revolucionários. Consciente ou inconscientemente, nesse ano de 2013 deu-se o seu a seu dono. É a City Beneath the Sea, a que só se chega de submarino, é o espaço do It's a Mad, Mad, Mad World (a fabulosa corrida de surf) é - Apocalypse Now - o bailado dos helicópteros, uma das mais delirantes e terríficas sequências que o cinema alguma vez nos deu.
E é também a cidade-catástrofe de tantos, tantos filmes. Por isso é em torno dela que o efeito de repetição é mais alucinante. No princípio, estamos em 1997, ou seja, estamos simultaneamente nos dias de hoje e estamos no tempo do futuro distante de Escape from New York (que em Portugal se chamou Nova Iorque 1997). Uma suave voz off feminina descreve Los Angeles com pequena décalage em relação ao "real", um exagero ligeiro mas não muito acentuado. É um efeito estranho, porque, simultaneamente, parece que se está a falar de uma data longínqua (tão longínqua como 1997 era em relação a 1981) e se usam imagens e elementos que todos vimos na televisão, há dois ou três anos, quando os negros tomaram conta de alguns bairros da cidade. Depois, dá-se a ver, sempre em tom documental, o grande terramoto do ano 2000, que não difere muito do que também vimos em 1994 ou do que todos os San Francisco ou Earthquake nos mostraram. Finalmente, chega-se a 2013 e chega-se a um presidente que não só cortou L.A. do mapa americano como trocou Washington e a Casa Branca por uma cidadezinha de um rancho qualquer (private joke que um americano saboreará melhor). Ou seja, aboliu a monumentalização do passado, aboliu a história da América, quer aquele que, em Washington, reenvia aos founding fathers e ao mito do império americano, quer aquela que, em Los Angeles, reenvia ao cinema e ao mito de Hollywood como sonho universal.
Quem se lhe opõe? Um revolucionário de pacotilha (Georges Corraface), caricatura grotesca do "Che", em revisionismo "correcto e aumentado" dos fantasmas dos anos 60. Ao lado dele, vestida de punk anos 60, a filha do Presidente (A.J. Langer) sintomaticamente chamada Utopia. Se merece mais condescendência do que o amante facínora (e por isso é salva, na cadeira elétrica, pelo gesto final de Snake) contém nela a limitação de todas as utopias, entre uma hereditária falta de miolos e uma adquirida falsa nudez. Como da primeira vez que a vimos (imagem virtual, que ilude o próprio Snake) tudo nela é ficção.
Porque o "back to humanity" final não implica, da parte do herói monocular, maior simpatia para com os zombies e marginais de Los Angeles do que para com o mundo do presidente e dos seus acólitos.
Numa das mais belas sequências do filme, o apelo à "radicalidade revolucionária" é tão varrido como o apelo à "radicalidade fundamentalista" do Presidente. É a sequência em que Talisma, a jovem que se oferece para ajudar Snake, lhe explica, a uma magnífica luz crepuscular, por que escolheu viver em Los Angeles e por que é que ali, apesar de toda a violência e todo o horror, existe o único espaço livre no mundo de 2013. A sequência é tão bela, a personagem tão densa, que, por momentos, estamos tentados a dar-lhe razão. Mas, palavras não eram ditas e cena não era vista, uma bala desgarrada, quotidiano da cidade, atinge em cheio a doce Talisma, que morre nos braços de Snake. Foi livre até o fim? Ou tudo o que disse é tão absurdo como a morte dela?
Se o filme se indecidissesse entre os dois "discursos" contraditórios que o atravessam (o de Talisma e o do Presidente) a moral da fábula não seria hawksiana, como sempre em Carpenter o é, nem este seria, como todos os filmes de Carpenter são, um "western urbano".
No cinema, as consciências mudam-se. E, pelo que viu na cidade do cinema, aqui também e predominantemente cidade-esmeralda, Snake mudou. Volta muito menos Clint Eastwood do que foi. O Back to America final é Back to Hollywood (o grande classicismo de Hollywood), back to the great masters (dos heróis da América aos heróis dos filmes americanos) e back to a classical order (ordem que o cinema de Carpenter é dos únicos a continuar a proclamar).
Por isso, se alguma razão assiste a Nicolas Saada quando vê o filme como versão moderna da Ópera dos Três Vinténs de Brecht-Weil, devemos vê-lo mais e vê-lo melhor como a apologia do herói (género Gary Cooper, James Stewart ou Henry Fonda) que, sozinho, derrota todos os programas do mal. Mesmo monocular e coxo, esse herói recupera a virgindade e volta a permitir-nos "the smell of america".
Escape from L.A. é um dos grandes filmes dos anos 90.
João Bénard da Costa
(agradecimentos ao José Oliveira Braga)
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
Baudrillard e Jameson, Demonlover e A Sentinela...
... não são páreos para John Carpenter (e Nigel Kneale, e Tommy Lee Wallace, e Dean Cundey, e...) no excelentíssimo ano de 1982 do nosso senhor das trevas.
sexta-feira, 1 de junho de 2007
domingo, 5 de março de 2006
quarta-feira, 25 de janeiro de 2006
terça-feira, 20 de dezembro de 2005
Je n'ai jamais vraiment compris pourquoi Dario Argento n'a pas eu la reconnaissance qu'il mérite. Un de ses films, «Phenomena», m'a profondément troublé, mis vraiment mal à l'aise. Il fait partie des rares films que je ne montrerai jamais à mes enfants. Je peux leur montrer «Suspiria» qui est très opératique. «Phenomena» est vraiment un film très difficile. Je crois que cela explique certaines choses sur cette absence de reconnaissance à l'égard de Dario Argento: quand on travaille sur ce genre d'émotions, on court le risque de troubler profondément le spectateur… donc le critique. Mais cela n'enlève rien à la beauté de ses films qui sont parfois extraordinaires.
Frères Humains, entretien avec John Carpenter, in Cahiers du Cinéma, n°523, avril 1998, p. 41